Vem com a gente!

Manual do abandono



By  Coletivo Poesia Marginal     12:00:00    Marcadores: 




         Se for abandonar, abandone. Mas não é assim que se deve ir embora. Se afastar aos poucos só vai prolongar sua partida. Se for, que vá de vez; grite, brigue, bata a porta e não volte nunca mais. Não tente se afastar aos poucos. Mate-me de fome, mas não me alimente com migalhas.
         Se for abandonar, vá de vez. Não existe uma maneira de fazer isso sem me machucar. Você não vai conseguir me proteger. Se não quer me ver chorar, me fala, que eu não faço isso na sua frente.          Mas não prolonga, não insiste, não me faz pensar que a gente ainda existe.
         Se for abandonar, avise. Não saia na calada da noite após me dar um beijo pra depois voltar de manhã. Não arranje desculpas quando o que eu quero é uma explicação. Não me deixe esperando, não me prometa nada, se é isso que quer basta dizer. Basta dizer...
       Se for abandonar, abandone. Abandone, mas não fuja. Fugir pra quê? Te deixo livre pra ir embora na hora que quiser. E se a ideia é fingir que está aqui pra poder voltar sempre que quiser, também não tem problema. Se você não sabe se vai ou se fica, eu sugiro ficar. Mas é ficar mesmo, ficar de verdade, não ficar como alguém que não quer se levantar da cadeira pra não perder o lugar caso saia.
         Se for abandonar, vá correndo. Não me mate aos poucos de veneno fraco. Apunhale, maltrate, despeje seu abandono de forma torrencial, me esmague, me dilacere, mas olhe na minha cara enquanto faz isso. Olha bem pra mim e me diz o que foram todos esses meses. Tédio?
         Se for abandonar, tenha a coragem de abandonar de frente. Você não vai conseguir ir embora sem ser notado. Não dá pra sair à francesa, eu estou olhando pra você.
          Mas se for abandonar, meu bem... 
          Se for abandonar, mude de ideia.

8 comentários:

  1. Olá,

    Que texto incrível é esse? Estou completamente encantada. Foi impossível segurar uma lágrima que desceu nesse momento, as palavras tocaram meu coração profundamente. Me indentifiquei tanto, e algumas frases foram bem profundas pura reflexão. Nunca gostei de joguinhos, mas confesso que no meu último relacionamento foi o que mais teve. Falávamos em abandonar, mas sempre estávamos lá e isto é o pior.
    "Mate-me de fome, mas não me alimente com migalhas"

    Beijos!

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    1. Muito obrigado pelos elogios, Alice, a Érica realmente faz textos fantásticos! E fico muito feliz de saber que se libertou desse relacionamento, você merece muito mais do que migalhas!

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  2. Oi! Que texto bom de se ler!

    Admito que as palavras me tocaram de uma forma que eu não esperava. Muitas vezes a fuga, como você disse, vem disfarçada de abandono, e é aí que a coisa fica feia. Jogos nunca são saudáveis, mas como evitá-los? Algumas pessoas parecem terem nascidas com dom (e gosto) para isso.

    Parabéns pelas palavras e pela sensibilidade. Abraços.

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    1. Muito obrigado, Giovanna, também gosto muito desse texto!
      Sobre evitar jogos, a melhor forma costuma ser interpretando-os como desinteresse.

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  3. Lindo o texto! Apesar de ser triste também...
    Mas me fez pensar em como muitas pessoas nos dias de hoje tratam as outras como se não fossem nada, abandonam a pessoa como se abandona uma série que você começou a assistir e não gostou. As relações têm se tornado tão artificiais que às vezes parece que estamos lidando apenas com números, nomes, perfis de redes sociais e não com pessoas reais que amam e sofrem.
    Parabéns pela sensibilidade!

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    1. Acredito que a beleza do texto está justamente na tristeza que imprime.
      Realmente, a falta de interesse verdadeiro no outro condena muitas relações na atualidade a algo superficial, infelizmente.

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  4. Posso sentir o sangue quente correndo entre as palavras dessa poesia.

    Muito sensível, humano, coração, nada marginal, rs.

    De abandono? Só o de si para si.

    Parabéns, Érica!

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    1. Concordo muito com você, e a Érica realmente está de parabéns, porém a questão da marginalidade exige sempre uma análise profunda, muitas vezes sobre o próprio autor, afinal, que editora ou livraria não coloca a margem livros escritos por negros?

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